quarta-feira, 14 de março de 2012

Ô presente!

Recentemente recebi de presente um livro muito significativo. A pessoa que me deu me conhece bem e sabe que eu amo a Clarice (não precisa me conhecer muito para saber isso). Mas o quanto ela me conhece é que me deixou surpresa e sem reação. Um livro da minha autora favorita não seria surpresa, mas o livro que reúne os contos mais sensíveis ao meu coração sim! Abri o presente: Laços de Família. Título simbólico em demasia... Dentro do livro havia um bilhetinho tão delicado quanto quem me presenteou. Ao lê-lo, refleti: Sim, querida Beatriz, existem laços (de família ou de simples afinidade) que unem os corações. 


Seria o amor o presente que vem embrulhado nesse laço? Eu diria que sim.


Então resolvi tirar do meu conto favorito da Clarice, que tem nesse livro, um trecho que descreve o momento em que Laura, personagem frágil desde seu nome até seus pequenos gestos, observa suas rosas com espantosa admiração. A inocência das rosas ao se amarem leva Laura ao constrangimento de estar apreciando tamanha delicadeza. Clarice, em um dos ápices de sua incomparável inspiração - divina -, nos presenteou com esse conto, que vale a pena ler - e sentir - na íntegra.


"— Ah como são lindas, exclamou seu coração de repen­te um pouco infantil. Eram miúdas rosas silvestres que ela comprara de manhã na feira, em parte porque o homem insistira tanto, em parte por ousadia. Arrumara-as no jarro de manhã mesmo, enquanto tomava o sagrado copo de leite das dez horas.
Mas à luz desta sala as rosas estavam em toda a sua completa e tranqüila beleza. Nunca vi rosas tão bonitas, pensou com curiosidade. E como se não tivesse acabado de pensar exatamente isso, vagamente consciente de que acabara de pensar exatamente isso e passando rápida por cima do embaraço em se reco­nhecer um pouco cacete, pensou numa etapa mais nova de surpresa: "sinceramente, nunca vi rosas tão bonitas". Olhou-as com atenção. Mas a atenção não podia se manter muito tempo como simples atenção, transformava-se logo em suave prazer, e ela não conseguia mais analisar as rosas, era obri­gada a interromper-se com a mesma exclamação de curio­sidade submissa: como são lindas.
Eram algumas rosas perfeitas, várias no mesmo talo. Em algum momento tinham trepado com ligeira avidez umas sobre as outras mas depois, o jogo feito, haviam se imobilizado tranqüilas. Eram algumas rosas perfeitas na sua miudez, não de todo desabrochadas, e o tom rosa era quase branco. Parecem até artificiais! disse em surpresa. Poderiam dar a impressão de brancas se estivessem totalmente aber­tas mas, com as pétalas centrais enrodilhadas em botão, a cor se concentrava e, como num lóbulo de orelha, sentia-se o rubor circular dentro delas. Como são lindas, pensou Laura surpreendida.
Mas, sem saber por quê, estava um pouco constrangida, um pouco perturbada. Oh, nada demais, apenas acontecia que a beleza extrema incomodava."  
C.L. Trecho de 'A Imitação da Rosa'

À minha rosa, com carinho.

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