quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

Descoberta a primeira entrevista de Clarice

Descobri uma reportagem dias atrás sobre a primeira entrevista concedida pela nossa escritora. Percibi que, desde cedo, sua sensibilidade de compreensão da alma é única. A matéria completa, que por sinal é brilhante, pode ser encontrada no site editora.cosacnaify.com.br com maiores e melhores detalhes.


Clarice, seu marido Maury Gurgel Valente, Apoloneo de Carvalho, Samuel Wainer e Daniel, cunhado de Apolonio. Paris, 1946. Fonte: Acervo pessoal de Pinky Wainer.


OS ESTUDANTES BRASILEIROS E A LITERATURA UNIVERSAL
(Diretrizes 71, 30 de outubro de 1941)
Série de reportagens com universitários, no final de outubro de 1941, opinando sobra literatura. A ilustração é de uma garota bonita, com bolsa embaixo do braço, cercada por cinco rapazes e a legenda “Futuros advogados falam sobre literatura”. Lá no final da primeira matéria vem o seguinte trecho:
“Na Faculdade de Direito subimos ao primeiro pavimento do edifício da rua Moncorvo Filho. Descemos novamente e vemos chegar uma jovem a quem abordamos. Chama-se Clarice Lispector e tem traços da raça eslava. É terceiro-anista e acede prontamente em responder às perguntas do repórter. “Leio de preferência livros, diz Clarice. Quanto à literatura nacional, em minha opinião, temos ótimos escritores, capazes de rivalizar com qualquer outro de qualquer literatura. Sobre a moderna literatura nacional, conheço alguma coisa; mais talvez do que a antiga”.
Pode destacar algum vulto?
Vários, como Graciliano Ramos, que me parece o maior, Rachel de Queiroz, Augusto Frederico Schmidt, etc.
Na literatura moderna nacional existe algum escritor que em sua opinião possa se nivelar a Machado de Assis ou Euclydes da Cunha?
Não se pode tomar para comparação um Machado de Assis, tão pessoal na sua obra. Mas em intensidade literária, dentro do seu próprio gênero, há escritores atuais que podem até superá-lo. Aliás, em minha opinião, seria mais fácil superá-lo do que igualá-lo. Machado tinha muita personalidade. Como romancista, ele não é seguro, não obedece a normas; por isso me parece fácil superá-lo, mais que igualá-lo. Euclydes da Cunha não me agrada…
Qual o livro nacional ou estrangeiro que lhe tenha deixado mais impressão?
Esta é uma pergunta difícil… Porque eu sempre passo épocas em que tal ou qual livro me impressiona. Depois o esqueço e outro toma o seu lugar. Às vezes o que me agrada num livro é o “tom”, o plano em que o autor se move. E se em outro livro o autor muda o “tom”, eu perco o interesse. É um estado d’alma.
Acha que a Guerra possa influir sobre a literatura?
Pode. Talvez um certo ceticismo se apodere da literatura do após-Guerra. Também os motivos humanos ocuparão seu lugar. Mas ao certo não se pode prever.
Qual a sua opinião sobre a “coleção das moças”?
Corresponde a uma necessidade da idade. Há uma fase na vida da moça em que tal literatura é indispensável. Mas apesar de eu já ter sofrido essa necessidade, hoje tenho pena das moças que lêem exclusivamente esta literatura.
E sobre literatura infantil?
Monteiro Lobato é sozinho uma literatura neste gênero. Suas obras compõem o que há de melhor a este respeito no Brasil. Além disso, temos Marques Rebelo. Ainda não se pode, todavia, confiar em uma literatura infantil no Brasil.
E sobre a poesia?
Eu nunca procurei a poesia. Gostei sempre mais da prosa. Admiro particularmente Augusto Frederico Schmidt.
Qual o maior poeta nacional em sua opinião?
Eu diria Castro Alves porque sei que é o melhor. Mas não tenho apreciação por condoreiros. Se a pergunta se refere aos que gosto, posso falar de Augusto Frederico Schmidt, com o seu Cântico de Adolescente que muito me impressionou há anos atrás.
Quais os melhores livros da literatura universal, na sua opinião?
Humilhados e ofendidos
, Crime e castigo, de Dostoievski, Sem olhos em Gaza, do Huxley, Mediterrâneo, de Panait Istrati e as obras de Anatole France em geral. Mas isto é só do que já li.”
Depois a própria Clarice se encarrega de nos apresentar a um colega. Augusto Baêna, quarto anista e presidente do Centro Cândido Figueiredo da Faculdade de Direito.
(Na foto da reportagem, Clarice aparece com saia xadrez bem miudinho, blusa gola role reta de manga comprida, bolsa tipo carteira embaixo do braço e cabelos em quase coque.)

domingo, 12 de fevereiro de 2012

Clarice, apenas.


Recebi instruções na Universidade que dizem respeito à forma de anunciar escritores.
Ora, não se deve chamá-los pelo primeiro nome, uma vez que é preciso seguir a uma convenção cuja regra determina o uso do sobrenome, como forma de unificar e resgatar o respectivo autor da generalização.
Lispector seria, aqui, adequado à minha instrução. Porém, sinto-me tão à vontade com a presença da escritora que tratá-la por seu sobrenome não unifica seu prestígio, além de que estaria, provavelmente, me afastando da margem de liberdade que criei entre mim e sua escrita.
Por isso Clarice, simplesmente e apenas seu primeiro nome. 

sábado, 11 de fevereiro de 2012

Homenagem.


Assisto algumas vezes a entrevista de Clarice no programa da TV Cultura, através do Youtube, de 1977. Vale à pena. Ela é (porque ainda está viva) um ser questionavelmente simples. Ao ver Bethânia recitando Clarice, além de achar lindo, me lembro de minha amiga, Andrea. Ela ama Bethânia e eu, Clarice. Não temos, respectivamente, o mesmo gosto. Mas calhou de nossa admiração se cruzar numa bela estrada.

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

O sonho

Sonhe com aquilo que você quer ser,
porque você possui apenas uma vida
e nela só se tem uma chance
de fazer aquilo que quer.

Tenha felicidade bastante para fazê-la doce.
Dificuldades para fazê-la forte.
Tristeza para fazê-la humana.
E esperança suficiente para fazê-la feliz.

As pessoas mais felizes não tem as melhores coisas.
Elas sabem fazer o melhor das oportunidades
que aparecem em seus caminhos.

A felicidade aparece para aqueles que choram.
Para aqueles que se machucam
Para aqueles que buscam e tentam sempre.
E para aqueles que reconhecem
a importância das pessoas que passaram por suas vidas.

Clarice Lispector, minha musa ♥
(Perto do Coração Selvagem)

Clarice cronista.

Hoje li e reli minha crônica favorita da autora, As Três Experiências. Sinto que há uma diferença entre a Clarice cronista e a Clarice, digamos, romancista. Meu coração bate mais quando leio suas crônicas, consigo ouvir sua voz a cada palavra lida. É como se ela estivesse ao meu lado, me revelando um pouco mais de si. Mas, quando leio seus romances, me sinto, mais precisamente, na pele de cada um dos personagens.
Ao ler a citada crônica no livro Clarice Lispector - cronicas para jovens; de escrita e vida organizado por Pedro Karp Vasquez, me arrebatou um trecho lindo:

"[...] Só peço uma coisa: na hora de morrer eu queria ter uma pessoa amada por mim ao meu lado para me segurar a mão. Então não terei medo, e estarei acompanhada quando atravessar a grande passagem. Eu queria que houvesse encarnação: que eu renascesse depois de morta e desse a minha alma viva para uma pessoa nova. Eu queria, no entanto, um aviso. Se é verdade que existe uma reencarnação, a vida que levo agora não é propriamente minha: uma alma me foi dada ao corpo. Eu quero renascer sempre. E na próxima encarnação vou ler meus livros como uma leitora comum e interessada, e não saberei que nesta encarnação fui eu que os escrevi."

As Três Experiências

 Há três coisas para as quais eu nasci e para as quais eu dou a minha vida. Nasci para amar os outros, nasci para escrever, e nasci para criar meus filhos. "O amar os outros" é tão vasto que inclui até o perdão para mim mesma com o que sobra. As três coisas são tão importantes que minha vida é curta para tanto. Tenho que me apressar, o tempo urge. Não posso perder um minuto do tempo que faz minha vida . Amar os outros é a única salvação individual que conheço: ninguém estará perdido se der amor e às vezes receber amor em troca.
E nasci para escrever. A palavra é meu domínio sobre o mundo. Eu tive desde a infância várias vocações que me chamavam ardentemente. Uma das vocações era escrever. E não sei por que, foi esta que eu segui. Talvez porque para outras vocações eu precisaria de um longo aprendizado, enquanto que para escrever o aprendizado é a própria vida se vivendo em nós e ao redor de nós. É que não sei estudar. E, para escrever, o único estudo é mesmo escrever. Adestrei-me desde os sete anos de idade para que um dia eu tivesse a língua em meu poder. E no entanto cada vez que eu vou escrever, é como se fosse a primeira vez. Cada livro meu é uma estréia penosa e feliz. Essa capacidade de me renovar toda à medida que o tempo passa é o que eu chamo de viver e escrever.
Quanto aos meus filhos, o nascimento deles não foi casual. Eu quis ser mãe. Meus dois filhos foram gerados voluntariamente. Os dois meninos estão aqui, ao meu lado. Eu me orgulho deles, eu me renovo neles, eu acompanho seus sofrimentos e angústias, eu lhes dou o que é possível dar. Se eu não fosse mãe, seria sozinha no mundo. Mas tenho uma descendência, e para eles no futuro eu preparo meu nome dia a dia. Sei que um dia abrirão as asas para o vôo necessário, e eu ficarei sozinha: É fatal, porque a gente não cria os filhos para a gente, nós os criamos para eles mesmos. Quando eu ficar sozinha, estarei seguindo o destino de todas as mulheres.
Sempre me restará amar. Escrever é alguma coisa extremamente forte mas que pode me trair e me abandonar: posso um dia sentir que já escrevi o que é meu lote neste mundo e que eu devo aprender também a parar. Em escrever eu não tenho nenhuma garantia. Ao passo que amar eu posso até a hora de morrer. Amar não acaba. É como se o mundo estivesse a minha espera. E eu vou ao encontro do que me espera.
Espero em Deus não viver do passado. Ter sempre o tempo presente e, mesmo ilusório, ter algo no futuro.
 
C.L.

 
É incômodo ler sobre a solidão porque, no fundo, não queremos aceitá-la. O ser humano tem medo da solidão. Se fôssemos tentar encontrar em nós mesmos algo que nos preenchesse, levaríamos uma vida inteira.

" A comunicação muda
O que nos salva da solidão é a solidão de cada um dos outros. Às vezes, quando duas pessoas estão juntas, apesar de falarem, o que elas comunicam silenciosamente uma à outra é o sentimento de solidão."

C.L.            Crônicas para jovens; de amor e amizade

A hora da verdade.

Li Clarice aos 15 anos de idade. Nada mal para quem já sabia o que queria da vida: lecionar. Se entendi perfeitamente o que estava lendo? Não, pra falar a verdade. Clarice é muito mais profunda do que se espera em sua leitura e eu ainda não sabia o tamanho da profundidade de uma alma. Mas me interessei, porque, apesar de sua alegoria latente, percebi que é possível sentir o outro vivo - e nesse caso, "a outra" - mesmo sem tocá-lo. Então A Hora da Estrela estava entrando no meu subconsciente como algo questionável. Não queria aceitar o que minha primeira "leitura de adulto" estava me proporcionando. Por que a vida de Macabéa seria tão difícil, tão vazia a ponto de não saber "feliz serve pra quê?". Chorei. Devolvi o livro à bibliotecária e deixei Lispector em algum lugar dentro de mim. Passaram-se 4 anos. Li Clarice algumas outras vezes nesse meio tempo, com uma enorme curiosidade, mas com um medo maior ainda de descobrí-la. Comprei o livro que lera anos atrás e relí. Compreendi, então, que o que Macabéa sente é o que, na maioria das vezes, abraça a alma de (quase) todos. Eu posso sentir.