sábado, 24 de março de 2012

Clarice, uma rosa.

AMO a sensibilidade ímpar dela! Clarice, como ninguém, sabe o que é o amor, sabe sentir o amor, e (me) passa esse amor.
Concluí a leitura hoje de "Água Viva" e todo aquele instante-já tentei capturar, bebendo cada milímetro de suas afoitas e penetrantes palavras. Tanto sentimento se manifestou em mim durante a leitura, sábado passado e hoje (só tive esses dois dias para ler o livro), que eu não conseguirei aqui transmiti-los, mas destaco uma das partes que me fez sentir Clarice viva e pulsante.
A personagem (sem nome, simplesmente um eu que fala para um tu) vibrante e com uma apaixonada fragilidade, me trouxe de volta a rosa. Será Laura?! Talvez...

Clarice e suas experiências com a rosa. Eu me apaixono!

"[...] Sei da história de uma rosa. Parece-te estranho falar em rosa quando estou me ocupando com bichos? Mas ela agiu de um modo tal que lembra os mistérios animais. De dois em dois dias eu comprava uma rosa e colocava-a na água dentro da jarra feita especialmente estreita para abrigar o longo talo de uma só flor. De dois em dois dias a rosa murchava e eu a trocava por outra. Ate que houve determinada rosa. Cor-de-rosa sem corante ou enxerto porém do mais vivo rosa pela natureza mesmo. Sua beleza alargava o coração em amplidões. Pareca tão orgulhosa da turgidez de sua corola toda aberta e das próprias pétalas que era com uma altivez que se mantinha quase ereta. Porque não ficava totalmente ereta: com graciosidade inclinava-se sobre o talo que era fino e quebradiço. Uma relação íntima estabelece-se intensamente entre mim e a flor: eu a admirava e ela parecia sentir-se admirada.  E tão gloriosa ficou na sua assombração e com tanto amor era observada que se passavam os dias e ela não murchava: continuava de corola toda aberta e túmida, fresca como flor nascida. Durou em beleza e vida uma semana inteira. Só então começou dar mostras de algum cansaço. Depois morreu. Foi com relutância que a troquei por outra. E nunca a esqueci. O estranho é que a empregada perguntou-me um dia à queima-roupa: "e aquela rosa?" Nem perguntei qual. Sabia. Esta rosa que viveu por amor longamente dado era lembrada porque aquela mulher vira o modo como eu a olhava a flor e transmitia-lhe em ondas a minha energia. Intuíra cegamente que algo se passara entre mim e a rosa. Esta - deu-me vontade de chamá-la de "joia da vida", pois chamo muitas as coisas - tinha tanto instinto de natureza que eu e ela tínhamos podido nos viver uma a outra profundamente como só acontece entre bicho e homem."

Trecho de Água Viva.
Clarice Lispector.

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